A escola atual e a escola do futuro


“A área artística e tecnológica na escolaridade obrigatória | uma visão prospetiva sobre a escola no século XXI “ *

O ano que principiou será um ano de ação dos professores das disciplinas da área artística e tecnológica. O  Encontro Nacional de Professores, que terá lugar em novembro, será uma oportunidade de reflexão e de afirmação da nossa identidade.

Durante as últimas cinco décadas os modelos dos sistemas educativos viveram sob o domínio do paradigma económico influenciados pelas teorias do capital humano assentes no valor económico da educação enquanto sustentáculo do pleno emprego.[1]

Hoje, o panorama económico internacional encontra-se profundamente modificado. A humanidade encontra-se despida de certezas, ancoradas na suposta infalibilidade das ciências económicas, e mergulha num ambiente de incertezas: crise de emprego, erosão inflacionista, descontrole dos défices, alastramento das desigualdades, propagação de comportamentos económicos destituídos de comportamento ético, etc. As condicionantes económicas mencionadas têm importantes consequências para a perceção do futuro dos nossos sistemas educativos.

A sociedade industrial e a emergência de novos paradigmas de características completamente dife­rentes daquelas que estiveram na base da nossa organização social e económica, CARNEIRO[2], identifica e enuncia as principais dificuldades de que comungam os atuais sistemas educativos: a era digital, nova ciência e imperativo tecnológico, multiculturalidade, insatisfação de­mocrática, competição global e exclu­são, desemprego, desintegração das instâncias de socialização, consciên­cia ecológica, um contexto de incerteza.

A estes para­digmas o autor apresenta uma primeira resposta: a construção de uma sociedade do conhecimento rumo a uma escola em que, mais do que aprender, se aprende a aprender e em que o conhecimento se constrói ao longo da vida, num desafio que ultrapassa a escola, alargando-se a uma sociedade do conhecimento.

Para tal, devem operar-se mudanças de funções. Segundo GARRIDO,[3] “Não é lógico que, como acontece hoje, as escolas coloquem a cultura ao serviço da profissão, quando deveria acontecer exactamente o contrário. Para além do mais, espera-se que no futuro se reequacionem as relações educação e trabalho, de tal modo que ambas se tornem compatíveis desde idades muito jovens e até praticamente ao fim da vida ativa.

Tudo isso contribuiria para um declínio da obsessão que a educação formal atual pretende exercer, e exerce de facto uma função exclusivamente profissionalizante. Esta tornar-se-ia então numa responsabilidade partilhada por uma pluralidade de indivíduos, grupos e instituições, abandonando em boa parte o espaço das atuais salas de aulas.”

No nível educacional, levantam-se problemas em termos de apoio e de novos modelos de ensino/aprendizagem. Cada vez mais os alunos poderão trabalhar longe das salas de aula requerendo apoio direto. Quais as melhores formas de providenciar instrumentos de apoio aos alunos, possibilitando a interatividade através da comunicação on-line entre aluno/aluno e aluno/professor? Quais os mecanismos disponibilizados aos docentes possibilitando flexibilidade pedagógica; monitorização da atividade de aprendizagem; ferramentas de gestão de grupos; recursos eletrónicos?

No nível curricular, as questões devem orientar­-se no âmbito do uso apropriado da tecnologia e de como isto poderá contribuir para a maior aproximação ao modelo tradicional de ensino/aprendizagem.

Vários críticos referiram que a chegada de informações completas através de redes, criaram o potencial para um sistema de educação pós-moderno, onde a aprendizagem terá lugar fora das tradicionais escolas, a aplicação do conceito e-Learning[4]. Isto é um cenário claramente realizável onde os educadores precisarão de determinar se haverá um lugar para eles, e que lugar será esse?

Os professores debatem-se com uma das crises culturais mais dramáticas da história da humanidade, é provável que as características e o papel que desempenham se venha a alterar profundamente, deixando de ser agentes de ensino para serem parceiros de aprendizagem, segundo LANDSHEER[5] “entre os principais desafios a enfrentar pelos professores destacam-se, entre outros: capacidade para elaborar projetos educativos … ; capacidade para consumir os contributos da investigação em educação e tornar-se, ele mesmo, um investigador…; capacidade para valorizar a inteligência …;”

Estes desafios de mudança colocam aos professores as questões fundamentais subjacentes a qualquer sistema de ensino e de aprendizagem: que resposta pode dar a escola pública aos processos acelerados de mutação social de hoje: Quem ensinar? O que ensinar? Como ensinar?

Num primeiro nível, o currículo é identificado com um conjunto de orientações estabelecidas pelas autoridades educativas. Num outro nível, está associado ao modo como o professor orienta e organiza efetivamente o processo de ensino – aprendizagem e ao princípio de que a sua concretização é um processo flexível que requer interpretação de cada contexto de trabalho, consideração dos recursos disponíveis e tomadas de decisão apropriadas.

Estas perspectivas, podendo parecer simples, constituem um enorme desafio e será preciso lidar com problemas complexos que têm a ver com a natureza curricular do ensino a ministrar [6] e o desenvolvimento profissional dos professores.

Ao contrário de uma dimensão curricular baseada na prescrição de matérias e da ordem do ensino, os programas das disciplinas das “Áreas Visuais e Tecnológicas” – Área de Expressões, Educação Visual e Tecnológica, Educação Visual e Educação Tecnológica, respectivamente 1º, 2º e 3º ciclo, fixam-se deliberadamente a um nível de grande abertura e flexibilidade. Esta opção obriga a uma maior responsabilização dos professores na adequação, gestão e organização programática visando o alargamento progressivo e integrado das aprendizagens dos alunos nos diferentes ciclos do ensino básico.

Decorre desta realidade a necessidade de contrariar rotinas que prolongam práticas profissionais que se traduzem na aquisição de uma linguagem plástica, por parte dos alunos, unicamente centrada na exploração dos elementos visuais.

Ora, a aplicação da linguagem plástica requer adequações de conceitos, meios e técnicas de aprendizagem nos diferentes níveis de ensino que suscitam o desenvolvimento de processos

  • mais analíticos e sequenciais, (uma necessidade percecionada no mundo envolvente que é analisada, definida, investigada, realizada e avaliada – resolução de problemas

e/ou

  • mais intuitivos e simultâneos, (um acontecimento provoca um sentimento ou uma sensação; sua definição processa-se pela ação sobre o material; neste interação estabelece-se o equilíbrio entre o «eu» e o mundo envolvente – fruição-contemplação, produção-criação, reflexão-interpretação:

Os processos de ensino assumem uma grande importância didática porque a sua estrutura condiciona a relação dos alunos com a tarefa, dos alunos entre si e do modelo de comunicação professor /aluno.

Como método de ensino a resolução de problemas pretende o desenvolvimento do pensamento reflexivo que permita ao aluno passar por um caminho do pensamento analítico utilizando o raciocínio dedutivo que leva à descoberta.

A resolução de problemas como método, deverá tornar-se um hábito. Sendo um processo de criação, é flexível, podendo ser adaptado pelo aluno à sua maneira de ser e ao tipo de problema a resolver. O processo interiorizado, torna-se uma capacidade, a capacidade de encontrar por si próprio os conhecimentos de que necessita e de resolver com autonomia qualquer tipo de problema que lida com factos, situações e coisas e não somente com ideias, que tem que se basear em algo material, que realiza algo concreto, o que torna a aprendizagem mais significativa.

O método de resolução de problemas aparece em pedagogia pela mão de Dewey, cuja conceção filosófica é definida por Rocha como “…o valor do conhecimento mede-se pelos efeitos que daí podem decorrer. Dewey desenvolverá esta conceção, pondo em relevo o valor instrumental do conhecimento para a solução dos problemas humanos” (Rocha, F. 1988)

Estas são algumas das justificações que poderemos apresentar para considerarmos a resolução de problemas como um dos núcleos estruturantes da área de EVT.

As investigações iniciadas no século XX na Educação e da Psicologia contribuíram para uma compreensão mais vasta do papel da arte no desenvolvimento da criança. A Arte não está separada da vida comunitária, do envolvimento. A aprendizagem dos códigos visuais e a fruição do património artístico promove uma relação entre dois mundos: o indivíduo e o meio.

A relação íntima entre estes dois mundos segundo os estudos de Piaget e outros psicólogos, é determinada também por um processo de adaptação. Neste processo Piaget aponta duas atividades inter-relacionadas: incorporação, ou seja, apropriação dos estímulos do meio e acomodação, isto é, integração no meio.

É assim, que pela atividade a criança assimila o mundo exterior e acomoda-se a esse mundo para, deste modo, estabelecer entre ele e o mundo estádios de equilíbrio cada vez mais estáveis. Por este sistema de implicações a criança vai estruturando um conhecimento cada vez mais adequado à realidade.

Por outras palavras: a assimilação de um esquema sensório motor é sempre simultânea a uma acomodação aos aspetos externos dos objetos, um bebé consegue pensar num guizo quando o tem nas mãos, nos ouvidos, nos olhos. Vamos então encontrar dois tipos de atividade que permitirão a organização dos estádios[7] de desenvolvimento, uma de tipo experimental e outra de tipo lógico matemático.

Pelos resultados dos estudos de Piaget ficamos a ter a certeza de que cada criança tem as suas próprias estruturas mentais, que cada uma delas aprende à sua maneira, ao seu próprio ritmo.

Segundo Lowenfeld[8] arte infantil deve beneficiar a criatividade, o modo como esta pode ser melhor realizada para a criança e os jovens é expô-los através de todos os sentidos às qualidades da vida, com experiências diretas com fenómenos táteis, visuais e auditivos, a imaginação da criança e os poderes da perceção desenvolvem-se. A função do professor é proporcionar todas as condições para que isso aconteça sem grande interferência inibidora do crescimento natural. Lowenfeld faz apelo às considerações da psicologia educacional do desenvolvimento e cria estádios de referência onde o crescimento pode ser reconhecido.

Na senda destes estudos no domínio específico da expressão plástica, tanto psicólogos como pedagogos continuam a ocupar-se seriamente na interpretação do gesto. Segundo Eurico Gonçalves[9] “o gesto livre expressivo do ser humano através da mão, diretamente ou com ajuda de instrumentos, pode transmitir o modo a tornar visível a emoção, o pensamento e a imaginação”. Segundo este autor compete ao educador criar condições propícias à atividade criadora enquanto a linguagem infantil não estiver deformada pela influência dos meios de comunicação visual que impõem a estandardização da imagem obstaculizando a expressividade pessoal ou, do próprio ensino tradicional baseado no princípio da imitação de modelos impostos pelos adultos – estereótipos. Acrescenta que, é preciso saber ler ou entender a pintura infantil para que não se cometam erros, tantas vezes causadores de grandes perturbações. O mundo plástico da criança é estruturalmente diferente do adulto. Tem valores e leis particulares características próprias, segundo as fases da sua evolução.

O desenho infantil surge como uma ferramenta essencial do processo de desenvolvimento da criança, segundo fases previsíveis. Judith Burton considera que os estádios não são exclusivos, existindo uma sobreposição de estádio para estádio; por vezes as crianças podem parecer regressar a um estádio anterior se isso vier de encontro a uma necessidade ocasional.

A informação sobre o desenvolvimento da capacidade das crianças para construir e exprimir o significado, ajuda os professores a manterem abertas as portas da aprendizagem artística, como um meio de expressão para todas as crianças (Gândara, 1987).

Para proceder a uma análise concisa deste desenvolvimento é essencial que o professor conheça o processo geral de desenvolvimento gráfico das crianças, sabendo reconhecer as características gerais patentes nos seus desenhos (Cottinelli Telmo, 2006 [1992]).

Se o professor tem consciência que, embora com na mesma fase etária, se depara com alunos, numa mesma turma, com níveis de desenvolvimento gráfico diferentes.

Se o professor acredita de acordo com Lowenfeld (1977), “aprende-se a desenhar, desenhando” , contrariamente ao “mito” comum que o desenho é um talento natural e inato, ou citando Edwards[10] (2005), “Tanto os adultos como as crianças acreditam, erroneamente, que a capacidade de desenhar surge como uma habilidade sem a prática”…

Então, consideram os métodos que dão importância à individualidade do processo de aprendizagem do aluno, que derivam do funcionalismo de Dewey, indispensável à aprendizagem. E que por isso, um indicador de pertinência do processo de organização de ensino aprendizagem em EVT deverá considerar, sempre, o ensino individualizado, como metodologia que respeita o estádio de desenvolvimento de cada aluno e a constante ênfase ao processo intenso e intencional em detrimento na centragem na matéria e nos produtos resultantes do ensino.

Concluindo, o Futuro da aprendizagem que terá lugar fora das tradicionais escolas está ainda longínquo. Contudo, como vimos anteriormente, o autor apresenta uma primeira resposta: … a construção de uma sociedade do conhecimento rumo a uma escola em que, mais do que aprender, se aprende a aprender e em que o conhecimento se constrói em oposição à obsessão que a educação formal atual pretende exercer.

A obsessão profissionalizante de um ensino baseado em matérias prescritivas e pré determinadas e de modos de trabalho pedagógico de apropriação aquisitiva, isto é, um ensino centrado em conteúdos, (quer se trate das plantas ou dos minerais das CN, quer sejam os elementos visuais de EVT), debitados sem qualquer preocupação com tudo o que atrás foi dito.

No âmbito da educação artística e educação tecnológica na escola futura o que poderá estar em causa não são tanto os MODELOS CURRICULARES existentes, mas, tudo o que deles ficou por cumprir.

 

(*) Carlos A S Gomes,  professor, formador certificado pelo CCPFC, presidente da direção nacional da APEVT
e membro do Conselho Científico do IAVE.

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[1] No séc. XIX impuseram-se três modelos europeus: o alemão, o francês e o inglês. Embora perseguindo o mesmo paradigma económico, o que mais caracterizava o modelo inglês, em contraposição aos outros dois, era a muito menor participação do estado em matéria educativa e a sua emanação de associações ou grupos locais

[2]Carneiro, Roberto, Lição de Abertura do Curso de Verão “A Educação do Futuro o Futuro da Educação”

[3] GARRIDO, José Luís Garcia, “Principais Desafios Lançados aos Sistemas Educativo no Alvorecer do Séc. XXI: Uma Perspetiva Internacional, Coleção Perspetivas Atuais Educação, Edições ASA, 1996

[4] Com a massificação das novas tecnologias de informação e comunicação, torna-se imperativo a adoção destas nos processos de ensino e aprendizagem. O processo que realiza este ambiente de aprendizagem é designado por e-Learning. No e-Learning, os papéis do docente não são postos em causa. O que muda é a sua função.

[5] LANDSHEER, Gilbert de, “O Novo Papel dos Professores Face ás Mudanças Sociais e Económicas e aos Novos Desafios Colocados aos Sistemas Educativos”,  Coleção Perspetivas atuais Educação, Edições ASA, 1996

[6] Refira-se aqui a complexidade, de natureza curricular, colocada pela própria administração educativa, aos professores de EVT. As Orientações Curriculares de 2001 põem em confronto duas opções conceptuais distintas sobre a EVT, e mais grave, ambas em vigor: – o Programa de EVT de 1991 com pressupostos na psicologia sobre a perceção, Gestaltismo e nos estudos de Piaget, e as Orientações Curriculares de 2001 baseada na tendência de ação pedagógica da Educação pela Arte, estruturada no princípio de que a arte é inata no ser humano.

[7]Piaget deu origem à Teoria Cognitiva, onde demonstra que existem quatro estágios de desenvolvimento cognitivo no ser humano: Sensório-motor, Pré-operatório, Operatório concreto e Operatório formal.

[8] Viktor Lowenfeld, Australiano, (1903-1960) foi professor Educação para Arte na Universidade do  estado da Pensylvania , dedicou a sua vida e carreira ao estudo no campo da Arte na educação.

[9] Artista plástico português, nasceu em 1932 , Penafiel. Pintor e crítico de arte, aderiu ao surrealismo em 1949.

[10] O método desenvolvido por Betty Edwards artista plástica, doutora em Artes e professora de desenho da Universidade Estadual da Califórnia, utiliza técnicas que estimulam a utilização do hemisfério direito