
Transcrevemos a comunicação do residente da Associação de Professores de Educação Visual e Tecnológica (APEVT) no congresso Currículo para o Século XXI: competências, conhecimentos e valores, numa escolaridade de 12 anos.
Tópico 1: De que forma as “orientações curriculares” em vigor potenciam o desenvolvimento de competências que recomendamos?
Para a APEVT não existe qualquer possibilidade conciliatória entre as “orientações curriculares” Metas de Aprendizagem e um perfil de Competências Gerais com os pressupostos de desenvolvimento curricular que pugnamos. Efetivamente são orientações completamente antagónicas. Por isso, em vez de fazer recomendações, tal como nos propuseram, preferimos fazer algumas “Reafirmações”.
Reafirmação crítica face às metas e à organização curricular da anterior legislatura.
Em 2012, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) revia a estrutura curricular do Ensino Básico e Secundário e extinguia EVT, dividida em duas disciplinas. Criaram-se Metas Curriculares para essas duas novas disciplinas, mantendo intacto o programa de EVT, e pôs-se fim ao par pedagógico (criado em 1968).
A APEVT, como muitas outras organizações, não compreendeu as mudanças, criticou o fim de Competências que considerava essenciais e viu nas Metas Curriculares um retrocesso psicopedagógico com implicações metodológicas no processo de ensino aprendizagem.
As metas curriculares para além de não estabelecerem as referências programáticas, não apresentaram qualquer enquadramento conceptual e fundamentação científica das mesmas.
Na devida altura a APEVT mencionou sobre as Metas:
“Não podemos deixar de referir a falta de respeito que o processo e os termos formais do documento evidenciam para professores e escolas e, uma objetiva desvalorização socioeducativa destas áreas curriculares. Este comportamento inaceitável e eticamente reprovável é evidenciado pelo seguinte:
– Ausência de enquadramento programático;
– Ausência de fundamentação e de enquadramento das opções assumidas na proposta das metas curriculares;
– Ausência de enquadramento das categorias conceptuais que organizam os domínios estruturantes da proposta;
– Ausência de fundamentação da proposta de novos blocos de conteúdo a integrar as aprendizagens;
– Ausência de uma proposta de articulação vertical das metas curriculares no 1º, 2º e 3º Ciclos.”
Assistiu-se a uma mudança radical que, em nosso entender, visou única e obsessivamente a redução do número de professores ao serviço da escola pública em Portugal, agravou questões pedagógicas em contexto de aula e ainda inverteu o paradigma da escola inclusiva para uma visão seletiva e dual da escolaridade.
Reafirmação de uma visão prospetiva alicerçada na integração de saberes, competências e transversalidade
A APEVT quer literacias artísticas e tecnológicas assentes em modelos disciplinares coerentes, integradores e sequenciais nos três ciclos de estudo; uma carga horária para as disciplinas artísticas e a sequencialidade programática entre as Expressões no 1.º ciclo e Educação Visual e Tecnológica no 2.º ciclo e a Educação Visual e Educação Tecnológica no 3º ciclo.
Uma pergunta perdura: – Porque se reduz sempre carga curricular nesta área educativa? Será a convicção generalizada de que a dimensão técnica não é compatível com a felicidade pessoal na sociedade dos nossos dias ou, que a dimensão artística está para o currículo como a austeridade socioeconómica está para a cultura?
Tópico 2: Que perfil de competências deve desenvolver o cidadão do século XXI?
Em 2011 o Ministério da Educação definia um conjunto de competências consideradas essenciais e estruturantes no âmbito do desenvolvimento curricular, para cada um dos ciclos do ensino básico. Tratou-se de um documento essencial no processo de inovação que se iniciou em 1996 com a reflexão participada sobre os currículos, enquadrada com os programas escolares então em vigor e apoiando a construção de uma nova cultura de práticas autónomas e flexíveis de gestão curricular. As Competências Gerais transversais concretizavam-se em cada campo específico do saber e para cada contexto de aprendizagem.
APEVT está disponível para a construção de um projeto educativo sólido e de qualidade, sobretudo no que diz respeito à evolução da organização curricular das áreas educativas da Educação Visual/Artes Visuais e Educação Tecnológica.
Esse projeto poderá ter como referencia as “Competências Essenciais” referidas, que se mostram atuais para um desafio curricular do século XXI. Entre outras destacamos as seguintes:
-Mobilizar saberes culturais, científicos e tecnológicos para compreender a realidade e abordar situações problemas do quotidiano;
– Usar adequadamente linguagens das diferentes áreas do saber cultural, científico e tecnológico;
– Adotar metodologias personalizadas de trabalho e organizar informação para a transformar em conhecimentos mobilizáveis;
– Adotar estratégias adequadas à resolução de problemas e tomadas de decisões;
– Relacionar harmoniosamente o corpo com o espaço numa perspetiva pessoal e interpessoal promotora da saúde e da qualidade de vida.
O perfil de saída do aluno para o século XXI deverá basear-se numa escola de verdadeira gestão flexível do currículo adaptada aos contextos locais dos territórios educativos e aos novos tempos de operacionalização curricular, (trabalho entre pares; constituição de equipas curriculares; utilização de meios on line; organização de turmas projeto etc.).
Tópico 3: Que conteúdos constituem um contributo da área disciplinar por si representada?
Além da necessária análise técnica da formulação dos objetivos gerais é através dos conteúdos neles referenciados que se pode identificar o universo de conteúdos estruturantes do campo de conhecimento e de formação das componentes disciplinares.
Uma educação básica (12 anos), no século XXI, tem forçosamente de desenvolver as capacidades de resolução de problemas técnicos e científicos, as capacidades de experimentação, observação e análise dos produtos e fenómenos tecnológicos, as capacidades de produção técnica e de práticas produtivas com transformação de materiais objetivadas em produções materializadas fisicamente.
O universo formativo no âmbito da Educação Visual contém várias categorias de conteúdos fundamentais na configuração do campo formativo desta área educativa na atualidade, a saber:
– O processo design (como eixo estruturante das relações de articulação interdisciplinar entre a Educação Visual e a Educação Tecnológica);
– A obra de arte / A arte contemporânea / Diálogo com a obra de arte;
– A imagem quotidiana e imagem artística / A análise da imagem;
– A narrativa visual / a imagem sequencial / a BD;
– A expressão e representação tridimensional, etc.
Do mesmo modo, o universo formativo no âmbito da Educação Tecnológica contém várias categorias de conteúdos fundamentais na configuração do campo formativo, nomeadamente:
– O processo design (como eixo estruturante das relações de articulação interdisciplinar entre a Educação Visual e a Educação Tecnológica);
– Comunicação e gestão e organização da informação;
– Análise, (re)desenho e construção do objeto técnico;
– Os materiais; A energia; Estruturas resistentes; Movimento e mecanismos, etc.
Tópico 4: Que articulação entre disciplinas é possível atualmente?
Efetivamente sempre fomos uma área de sucesso e um contributo inquestionável não só para a inclusão e para o combate ao insucesso escolar (pois somos um lugar educativo de forte realização pessoal do aluno), mas que também possibilita o desenvolvimento de estratégias educativas inter e multidisciplinares orientadas para a heterogeneidade dos públicos escolares .
Ao contrário de uma dimensão curricular baseada na prescrição de matérias e da ordem do ensino, também os programas das disciplinas das Áreas Artísticas e Tecnológicas sempre se fixaram deliberadamente a um nível de grande abertura e flexibilidade.
Esta área artística e tecnológica foi assim, até à última revisão curricular e quer RETOMAR E SER um lugar de realização pessoal e social promotora de aprendizagens significativas e de forte inclusão escolar. Contudo, persistem omissões conceptuais neste debate, repare-se a título de exemplo, (perdoem-nos a impertinencia), que a própria organização deste debate encerra um sentido não declarado de uma conceção curricular determinada. Uma formulação desigual e mesmo equivoca no objeto de debate nos diferentes painéis.
A integração das diferentes áreas e disciplinas num domínio designado das Expressões no currículo comporta equívocos e uma orientação não clarificada para a inclusão de diferentes disciplinas nomeadamente, nos modelos de organização disciplinar e no papel formativo que desempenham em cada um dos ciclos de estudo.
Para além disso, permanece, no nosso entender, uma perspetiva reducionista relativamente à Educação Tecnológica confundida com as tecnologias digitais / informáticas.
Estamos portanto, perante um universo de conceitos por clarificar:
– De que Educação Artística, aqui denominada “Domínio das expressões”, se fala nos diferentes ciclos de estudo?
– Porque existe uma omissão sobre a Educação Tecnológica?
– Que formação artística nas formações vocacionais do secundário?
– Que lugares para a formação e Educação Artística na escola: o currículo regular e os espaços extracurriculares.
Estas e outras interrogações merecem respostas. A APEVT acredita que este é um momento de mudança e pretende participar no debate sobre o papel da escola pública e de um currículo abrangente e coeso.
Carlos A. S. Gomes,
Lisboa, 30 de Abril de 2016