ARTMAT: uma resposta aos atuais desafios curriculares*


“ARTMAT: uma resposta aos atuais desafios curriculares” é uma oficina de formação para professores dos grupos 110, 230 e 240, concebida e realizada pelos Centros de Formação da  Associação de Professores de Educação Visual e Tecnológica – APEVT e da Associação de Professores de Matemática – APM, que se projeta nos atuais desafios do sistema educativo, nomeadamente nas práticas interdisciplinares para uma atitude pedagógica capaz de flexibilizar os referenciais curriculares, Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e as Aprendizagens Essenciais.
A partir da convicção que a Matemática e a Arte sempre caminharam juntas, aliando razão e sensibilidade e que a “Arte é a representação, a Ciência a explicação da mesma realidade” Johnson (2001, p. 41) a oficina de formação ARTMAT pretende criar um espaço entre os domínios do saber da Matemática e da Arte, tendo como foco de reflexão/ação a apreciação e criação de obras de arte e o desenvolvimento dos conceitos matemáticos. Este espaço e processo de aprendizagem deverá ser potenciado a partir do trabalho desenvolvido no primeiro ciclo, onde os alunos necessitam de experiências que lhes estimulem o desenvolvimento de conceitos geométricos de visualização e raciocínio espacial e, continuado nos ciclos subsequentes.

O PERCURSO FORMATIVO

É objetivo da formação familiarizar os formandos com metodologias de ensino com base em estratégias ativas, passíveis de implementação na sala de aula, que articulem aprendizagens
de matemática e artes visuais, proporcionando momentos de exploração e apropriação do uso expressivo das técnicas, assim como, de momentos de análise e argumentação matemática
acerca de relações numéricas e geométricas, o raciocínio espacial e a modelação geométrica para resolver problemas.
O percurso formativo inicia-se com uma breve abordagem teórica sobre a importância das disciplinas nas atuais orientações curriculares do Ensino Básico. Após esta contextualização, realizam se desafios. Para cada desafio é fornecido aos formandos uma ficha de atividade, os materiais a usar e um enquadramento didático. Os desafios desenvolvidos nesta oficina são os seguintes:
1. Reflexão entre referenciais curriculares e as práticas da docência nos domínios da Arte e da Matemática;
2. Os triângulos de Kandinsky , Wassily;
3. A manta de retalhos geométricos de Cargaleiro, Manuel;
4. Os retângulos de Mondrian, Piet;
5. As tesselações de Escher, Maurits.

Na última sessão, os formandos procedem à apresentação do trabalho autónomo desenvolvido em contexto de sala de aula, que evidencie as relações conseguidas entre a disciplina da
matemática e a área de artes visuais. Os desafios encerram conteúdos e capacidades próprias de cada disciplina e área curricular.

A título de exemplo, partilhamos o desafio 2. Triângulos de Kandinsky, Wassily que se subdivide nos desafios 2.1: Elementos geométricos constantes na obra do artista e 2.2: Identificar, classificar e representar triângulos, desafio este que tem como ponto de partida a obra do autor “Triângulos em uma curva” (figura 1).

Figura 1. Triângulos em uma Curva

Com estes desafios, os formandos devem:
– Reconhecer, compor e decompor formas e figuras no plano e o vocabulário geométrico que inclui o círculo, o semicírculo, o ângulo e as linhas direitas, etc.;
– Identificar, representar, classificar e construir triângulos;
– Usar o conceito de perímetro e relacionar a medida do perímetro com as possibilidades de construção de triângulos e as propriedades dos números
– Relacionar conhecimentos sobre medida (perímetro) múltiplos de 3 e divisibilidade por 3.

A figura 2 mostra o enunciado do desafio 2.1 que consiste num jogo a pares, cujo objetivo é, após cinco lançamentos intercalares do dado por cada um dos elementos da equipa (interdisciplinar)
de formandos, construir, de forma partilhada, uma obra numa folha A4 com elementos geométricos estruturantes da obra do artista que constam da figura 3.

Figura 2. Enunciado do desafio 2.1

Após a criação de uma composição individual, o par terá de decidir que elementos da sua obra vai usar para a criação de uma única composição que deverá ser posteriormente pintada com
aguarela, como se mostra na figura 4 através de dois trabalhos de formandos.

Figura 3. Tabela com elementos geométricos estruturantes da obrado artista

Este desafio suscita a perceção e a organização do espaço bidimensional tendo em vista uma composição personalizada.
Uma composição pode ser um jogo de relações entre formas, cor, movimento, contraste, etc. Essas explorações podem transmitir sensações, harmonia, frescura, desordem dependendo das
relações que se estabelecem entre as partes que compõem a obra.
Do ponto de vista da matemática, o questionamento do professor é essencial para explorar propriedades dos elementos geométricos (e.g., perpendicularidade, paralelismo, quadriláteros, triângulos,…). Para além de explorar aprendizagens do ponto de vista do conteúdo das artes visuais e da matemática, este desafio permite desenvolver o trabalho cooperativo e incentiva à gestão da tomada de decisões interpar aquando da construção da obra final.

Figura 4. Trabalhos de formandos

A figura 5 mostra o enunciado do desafio 2.2 que foi disponibilizado aos formandos. Este desafio é realizado em três fases. Na fase 1 os formandos devem investigar quantostriângulos com as medidas de perímetro indicadas são possíveis construir. De realçar que as medidas de perímetro foram escolhidas intencionalmente para que fosse possível construir todo o tipo de triângulos quanto à medida do comprimento dos seus lados (considerando apenas números inteiros) e amplitude dos seus ângulos.
Muitos quadros abstratos do artista são composições de figuras geométricas. Vamos à maneira de Kandinsky compor e organizar as figuras no espaço fazendo uma composição tendo como referência a obra “Triângulos em uma curva “, para tal seguimos as sequentes fases:
Fase 1. Investiga quantos triângulos são possíveis de construir nas seguintes condições:
– Usa triângulos com perímetro 10;
– Usa triângulos com perímetro 12;
– Usa triângulos com perímetro 14.
Fase 2. Constrói os triângulos encontrados em cartolina de várias cores usando material de desenho.
Fase 3. Recorta os triângulos colando alguns, estampando outros (usando a técnica de stencil1 a partir dos vazamentos deixados pelos triângulos recortados), tudo sobre uma folha de papel preta de tamanho A4.

Figura 5. Enunciado do desafio 2.2

É possível realizar várias decomposições das medidas de perímetro 10, 12 e 14. Contudo a análise destas decomposições à luz da possibilidade de construção de triângulos permite perceber
que só é possível construir triângulos isósceles acutângulos com a medida 10 (e.g., 2, 4, 4). Com a medida 12, um triângulo equilátero uma vez que 12 é múltiplo de 3 (medidas 4,4,4), um triângulo isósceles (e.g., 2, 5, 5) e, tendo em conta que uma das decomposições do 12 é um termo pitagórico, também é possível construir um triângulo escaleno retângulo (medidas 3, 4, 5). A medida 14, permite construir triângulos isósceles acutângulos (e.g., 2, 6, 6) e obtusângulos (e.g., 4, 4, 6) e escalenos obtusângulos (e.g., 3, 5, 6).
No 1.º Ciclo do Ensino Básico os alunos podem confirmar a possibilidade de construção de triângulos usando material manipulável, um ambiente de geometria dinâmica, como o GeoGebra ou até um projeto Scratch. No 2.º Ciclo podem usar o GeoGebra e deduzir, a partir dos casos (decomposições) encontradas, as possibilidades de construção de triângulos. Caso esta seja uma aprendizagem já adquirida, podem usá-la para tomar decisões acerca dos triângulos a construir ou até serem desafiados a construírem um projeto Scratch para confirmar a possibilidade de construção de triângulos. Quanto à medida dos ângulos dos triângulos, em construções de papel e lápis é interessante desafiar os alunos a usarem referências para classificarem ângulos e, caso recorram ao GeoGebra, este permite fazer a medição de ângulos.
As fases 2 e 3 contemplam a construção dos triângulos com material de desenho e posterior composição gráfica da obra. A fase 1 centra-se mais na exploração de conceitos matemáticos, a fase 2 explora conceitos e procedimentos comuns às duas áreas e a fase 3, conceitos mais relacionados com as artes visuais, nomeadamente nos princípios implícitos na configuração, tais como, continuidade, semelhança, proximidade, fechamento, entre outros (Teoria de Gestalt). As construções visuais desencadeiam imagens completas no nosso cérebro, ainda que os olhos só vejam parte dela, pelo que se considera importante esta abordagem.
A figura 6, mostra composições de formandos dos grupos 110, 230 e 240, realizadas numa das oficinas a propósito deste desafio.
Em oficinas em que participaram formandos dos grupos 230 e 240 da mesma escola, foi possível realizar abordagens verdadeiramente interdisciplinares desde a conceção da aula, passando pela sua implementação partilhada, até ao seu relato em contexto de formação. Esta parceria interdisciplinar é incentivada durante a formação, mesmo quando não existem formandos da mesma escola por se acreditar que estas dinâmicas só fazem sentido quando existe uma aprendizagem partilhada entre professores e alunos.

Figura 6. Trabalhos de formandos

REFLEXÕES
O pensamento geométrico, ainda que intuitivo, permite-nos desempenhar diversas ações mostrando que, efetivamente, as ideias geométricas possuem valor prático. À semelhança dos
adultos, também as crianças se deparam com situações que as obrigam a utilizar as suas ideias geométricas, proporcionando, o desenvolvimento de “conceitos geométricos e o raciocínio
espacial” (Mendes & Delgado, 2008, p. 10) embora de forma ainda muito rudimentar. Ao olharem em seu redor, os alunos vão interagindo com o espaço através de ações que irão possibilitar o desenvolvimento de ideias acerca das “formas e (do) espaço”.
Nestes desafios a memória visual é estimulada pela capacidade em recordar uma imagem visualizada e que já não se encontra ao alcance visual, assim como, a capacidade de identificar e reconhecer figuras geométricas em diversas posições, tamanhos, contextos e texturas.
A formação ARTMAT tem-nos mostrado que a abordagem que realizamos nesta oficina é essencial para promover práticas interdisciplinares entre matemática e artes visuais e mostrar aos professores que é possível desenvolver aprendizagens de modo integrado e de que forma. Nem sempre é possível criar um mesmo desafio igualmente potentes para as duas áreas, mas é desejável criar pontos de convergência onde a matemática e as artes visuais possam coexistir no currículo dos alunos.
Do ponto de vista dos alunos, e considerando os relatos dos formandos, há um agrado generalizado pela forma como a abordagem é realizada a estas duas áreas. Do ponto de vista do conhecimento do conteúdo, por parte dos professores quer de matemática quer de artes visuais, à semelhança do que aconteceu com os formadores em fase de preparação da oficina, há muito a ensinar e a aprender, há uma aprendizagem partilhada que apoia a compreensão e implementação de um currículo mais criativo, articulado e interdisciplinar.
Os objetivos desta oficina são pertinentes e ambiciosos, dadas as práticas de articulação curricular existentes. Só as persistentes apropriações de modos de trabalho pedagógico interdisciplinar
podem, por aproximações sucessivas, desenvolver e aprofundar os argumentos matemáticos acerca de relações geométricas emergentes da análise e criação de obras de Arte.

Referências:
Mendes, F., & Delgado, C. (2008). Geometria: Textos de apoio para Educadores de Infância. Lisboa: DGIDC.
Johnson, S. (2001). Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Jorge Zahar Editor.

(*) Carlos Gomes – APEVT e Renata Carvalho – APM