PASEO – RECOMENDAÇÕES DO CNE
Homologado pelo Despacho n.º 6478/2017, de 26 de julho, o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO), assumidamente marcado por uma cultura científica e artística de base humanista, constitui-se como “um documento de referência para a organização de todo o sistema educativo e para o trabalho das escolas, contribuindo para a convergência e a articulação das decisões inerentes às várias dimensões do desenvolvimento curricular”, visando, em última instância, a promoção da melhoria da qualidade da aprendizagem e o sucesso de todos os alunos ao longo dos 12 anos de escolaridade obrigatória.
Decorridos quase sete anos após a sua publicação, e reconhecendo que a assunção dos princípios, visão, valores e áreas de competências, a que deve obedecer o desenvolvimento atual do currículo, implica alterações não só nas práticas pedagógicas e de gestão educativa, como nas políticas de educação, a Comissão Especializada Permanente (CEP) de Currículo do Conselho Nacional de Educação (CNE) considerou que seria importante refletir sobre o modo como tem decorrido a apropriação e operacionalização do PASEO, analisando a forma como os atores educativos têm trabalhado os conhecimentos, as capacidades e as atitudes, com vista ao desenvolvimento das competências previstas nesse documento.
Ao longo do estudo efetuado, emergiu um conjunto de dimensões de análise relativas a condições para a apropriação e concretização do PASEO, as quais deram origem às presentes Recomendações Conselho Nacional de Educação, CNE :
1 – Apropriação crítica do PASEO pela comunidade educativa
Para tal, é preciso desencadear uma estratégia de conhecimento dos documentos curriculares base (PASEO, ENEC, AE e outros) pela comunidade educativa, sob a coordenação dos conselhos pedagógicos, em alinhamento com as lideranças escolares, criando espaço e condições especiais para reflexão e debate em torno do currículo e da sua gestão, no âmbito da autonomia de cada escola. Importa, concretamente, direcionar o foco no PASEO, enquanto elemento agregador que confere coerência a todo o percurso escolar, não o desligando dos demais documentos curriculares, de forma que a sua apropriação não seja só discursiva, mas também prática.
2 – Maior ênfase na colaboração profissional
É importante que sejam criadas condições nas escolas, com espaços de colegialidade, novas lógicas de funcionamento e dinâmicas organizativas, para que os docentes partilhem o seu trabalho de planificação, execução e avaliação dos processos de ensino e aprendizagem entre si, nomeadamente no contexto de equipas multidisciplinares, confrontando experiências e vivências das suas práticas pedagógicas, num clima aberto de entreajuda e colaboração, em codocência, em contexto de grupos disciplinares, departamentos curriculares ou conselhos de turma, como também em redes mais alargadas de escolas, nacionais e internacionais.
3 – Centralidade do aluno no desenvolvimento do currículo
O aluno desempenha um papel central na aprendizagem, sendo importante que esse papel seja conferido e estimulado pelos professores. Neste âmbito, importa mobilizar o saber pessoal dos alunos para o contexto de aprendizagem. O currículo é um importante veículo de inclusão, sendo determinante que todos possam aceder ao mesmo, em reais condições de equidade, num aprofundamento da flexibilidade curricular, nomeadamente no ensino secundário. É importante esbater assimetrias, independentemente da diversidade socioeconómica e cultural (género, etnia, nacionalidade, etc.) dos alunos, salvaguardando, no entanto, o respeito pelas diferenças individuais.
4 – Valorização da “voz do aluno”
As atividades científicas e pedagógicas desenvolvidas pelas escolas têm de ter um significado especial para cada aluno. Tal só é possível se houver um verdadeiro trabalho de escuta interessada da sua voz, em termos de motivações, necessidades e ambições, promovendo desse modo a inclusão e equidade no acesso de todos e cada um ao currículo. Importa, pois, que esta escuta também se efetive no domínio crucial da orientação vocacional, no desenho de um percurso que efetivamente sirva o aluno e os seus projetos de futuro. Por outro lado, há que promover as diferentes formas de representação estudantil, em diversos contextos escolares, de modo que crianças e jovens pratiquem uma cidadania ativa e assumam o protagonismo e a livre criação individual, sendo ouvidos e participando nas decisões escolares.
5 – Maior atenção à comunicação, envolvimento e participação dos encarregados de educação e das suas estruturas representativas
Enquanto parceiros essenciais das escolas, os encarregados de educação e as famílias devem ser convocados e envolvidos de forma a reconhecerem a importância e a necessidade de desenvolvimento de competências (capacidades, atitudes e valores), conforme preconizado pelo PASEO. Numa organização escolar mais participativa e cívica, importa criar condições para a participação das estruturas representativas dos encarregados de educação nas escolas.
6 – Valorização das diferentes literacias
O alargamento do escopo das literacias para exprimir e representar conhecimento em várias áreas do saber só pode ser conseguida através de uma maior proximidade aos problemas concretos do dia-a-dia de cada um, sem se desligar dos problemas que afetam a humanidade, num mundo cada vez mais global e complexo. Será o conhecimento poderoso que permitirá aos alunos reconhecer e refletir criticamente sobre problemáticas emergentes do mundo contemporâneo, que põem em causa o equilíbrio planetário, como a degradação ambiental, a guerra, a fome, a droga, a violência, etc., através da dinamização de diferentes iniciativas que mobilizem os princípios solidários que orientam o PASEO.
7 – Monitorização do processo de apropriação e concretização do PASEO
Apesar de as equipas regionais para a Autonomia e Flexibilidade Curricular (AFC) estarem já a acompanhar a gestão do currículo, é importante que haja uma avaliação do trabalho desenvolvido nas escolas, a nível nacional, tendo, como foco, efetivamente o que está preconizado no PASEO, recorrendo a metodologias de investigação na linha do estudo exploratório desencadeado pela CEP-Currículo. Importa, pois, que se criem condições para estudar o real impacto que este documento tem suscitado nas escolas, concretamente como o mesmo tem sido pensado e mobilizado pelos professores no ensino e nas aprendizagens dos alunos.
8 – Divulgação das alterações curriculares e pedagógicas suscitadas pelo PASEO
Reconhecendo que os diferentes serviços e organismos do ministério da educação estão cientes da importância da divulgação de práticas de referência na gestão curricular, nomeadamente dos domínios de autonomia curricular (DAC), é importante que estas iniciativas de articulação curricular e pedagógica para o desenvolvimento de competências previstas no PASEO continuem no território nacional, através da organização de seminários e outras ações formativas, sobre gestão curricular, envolvendo diferentes parceiros educativos. Importa ainda que, paralelamente, sejam divulgadas e disseminadas experiências inovadoras da gestão do currículo, pelas escolas, tendo como referência o PASEO e as AE, de forma a incentivar a partilha de práticas pedagógicas e didáticas, bem como a construção de redes e comunidades de aprendizagem.
9 – Uma avaliação em prol das aprendizagens
Importa que os alunos aprendam. Será, pois, determinante evitar que a avaliação seja desenvolvida como um mero procedimento, no qual os alunos revelam um desempenho mais ou menos concordante com o desempenho esperado, com tarefas repetitivas, tendo como foco prioritário, no ensino secundário, a “preparação para os exames”. Pretende-se que os alunos sejam estimulados, que desenvolvam e revelem as suas competências. Assim, é através das diferentes tarefas de avaliação que os alunos poderão ter a oportunidade para desenvolver capacidades cognitivas mais complexas. Neste quadro, importa que a avaliação se desenvolva no respeito pelo PASEO, centrada na melhoria das aprendizagens, ao invés de se focar apenas nos exames e no acesso ao ensino superior. Importa, assim, uma articulação entre avaliações (interna e externa, formativa e sumativa), que sejam efetivamente centradas nas aprendizagens dos alunos, nos pressupostos e princípios do PASEO, ao longo de toda a escolaridade obrigatória dos alunos.
10 – Estreitamento de diálogo com o poder local e regional
É necessário que as autarquias e as Regiões envolvam as escolas no planeamento dos meios que têm ao seu dispor (instalações, recursos e equipamentos), evitando a sua duplicação, para o desenvolvimento de competências dos alunos previstas no PASEO, em contextos reais de aprendizagem. Tendo sido identificada como estruturante pelos professores, considera-se que a aproximação à vida ativa pode e deve ser pensada no âmbito dos conselhos gerais das escolas e nos conselhos municipais e regionais de educação.
11 – Formação inicial de professores
“O regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário” deve estar em consonância com as exigências de formação docente a que o PASEO obriga, uma formação ampla e abrangente, nomeadamente através do incremento do peso relativo da componente de formação educacional geral (FEG), na qual se situam as áreas do currículo e do desenvolvimento curricular, numa perspetiva crítica, a educação inclusiva, as metodologias ativas, a avaliação pedagógica, as neurociências, as tecnologias digitais e a inteligência artificial, acentuando as questões da investigação educacional na formação inicial de professores, absolutamente necessárias para acompanhar a viragem do professor técnico para o professor investigador.
12 – Formação contínua de professores
Deverá ser desencadeado um Plano Nacional de Formação Contínua de Professores centrado na concretização do PASEO nos diferentes contextos didáticos, pedagógicos e sociais, tendo como referência as ações realizadas pelo Programa Nacional de Promoção do Sucesso Educativo (PNPSE), e a formação já desenvolvida em diversas áreas, nomeadamente da gestão flexível do currículo, da avaliação pedagógica, da educação inclusiva, da capacitação digital, entre outras, tendo em perspetiva o aprofundamento das temáticas emergentes da formação inicial. Importa, pois, que se desenvolvam ações de formação e de capacitação que conduzam à aproximação deste documento curricular às práticas docentes, tornando-o presente na gestão do currículo, no ensino, na aprendizagem e na avaliação. Será desejável que as escolas elaborem os seus planos de formação, a partir de um diagnóstico apurado das necessidades de formação de docentes e funcionários, e tirando partido dos seus próprios recursos, mobilizando-os em ações de capacitação interna, em comunidades de aprendizagem. Recomenda-se também que as instituições de ensino superior, no âmbito da sua oferta formativa e dos projetos que desenvolvem, interajam com as escolas e colaborem no desenvolvimento profissional dos professores.