A questão da necessária reorganização dos ciclos de estudo voltaram à discussão publica, quer a propósito das propostas eleitorais dos partidos políticos, quer pelo relatório anual do CNE, do qual destacamos alguns aspetos. Contudo, vale a pena afirmar que a inevitabilidade deste reajustamento já se coloca desde do alargamento da escolaridade de nove para doze anos. Esta medida, altera o papel dos ciclos de estudo, procede à organização curricular de disciplinas para áreas pluridisciplinares e vice-versa, assim como, remete a componente vocacional e profissional para ciclos terminais.
Para os professores importa particularmente como será feita esta transição de raiz pedagógica para evitar que se transforme numa mera medida economicista, nomeadamente com a alteração do regime de docência e mesmo com o fim ou fusão de algumas disciplinas.
Cenários possíveis de (re)organização do 2ºciclo (fonte relatório do CNE2024)
Nas publicações do CNE, anteriormente referidas, face à questão, o que fazer com o 2º ciclo? são indicadas algumas possibilidades:
- a criação de um ciclo único através da integração do 1º e 2º ciclos;
- a divisão do 2º ciclo, associando um ano ao 1º ciclo e um ano ao atual 2º ciclo, ou através da associação do 2º com o 3º ciclo.
A primeira hipótese, integração do 1º e 2º ciclo, é aquela que parece reunir maior consenso, na medida em que se considera que “seria benéfico para a educação das nossas crianças a progressiva integração do atual 2º ciclo do ensino básico no espírito e cultura curriculares do 1º ciclo, criando-se desta forma uma educação primária, primeira, de seis anos” (Pedrosa, 2009, p. 20), do mesmo modo que uma “proposta de educação integrada dos 0 aos 12 poderá propiciar uma sequência progressiva, mais coerente com os processos culturais infantis e mais articulada com as formas de aprendizagem das crianças, formadas em boa medida no nível imediatamente anterior” (Sarmento, 2009).
Também o Conselho das Escolas, em 2010, propôs que o atual 1º ciclo passasse a ser designado por ensino primário (com a duração de 4 anos) e que o atual 2º ciclo, um enclave no ensino básico fizesse parte do ensino secundário geral, com a duração de 4 anos e que passaria a integrar o 5º, 6º, 7º e 8º anos de escolaridade. O 9º, 10º, 11º e 12º anos passariam a integrar o ensino secundário superior.
De entre os cenários apresentados, e à semelhança do que acontece noutros países europeus em que a educação básica tem um ciclo inicial, primary, destinado a alunos dos 6 aos 12 anos, a integração dos atuais 1º e o 2º ciclos num ciclo inicial do ensino básico, permitiria modos de trabalho mais articulados, mais coerentes e mais consistentes e que possam garantir a todos os alunos o desenvolvimento efetivo de literacias múltiplas (leitura, escrita, numeracia, utilização das tecnologias de informação e comunicação), as quais são consideradas como alicerces para aprender e continuar a aprender ao longo da vida como, aliás, se prevê no PASEO.
Posteriormente ao 6º ano poderemos ter diferentes cenários, de entre os quais destacamos aquele que eventualmente mais se aproxima da realidade que existe em Portugal e que acontece na maioria dos países europeus: a existência de um ciclo de três anos que é conceitualizado como sendo um ciclo terminal da educação básica, muitas vezes designado por lower secondary (no caso português corresponde ao 7º, 8º e 9º ano) e um ciclo de três anos de natureza estritamente secundária que conclui a escolaridade obrigatória e muitas vezes designado como upper secondary (10º, 11º e 12º ano).
Uma outra possibilidade é considerar o lower secondary como o início da educação secundária o que, de acordo com muitos estudiosos e investigadores, tem vantagens. Na verdade, considerar o lower secondary como “terminal” do ensino básico é bastante diferente de o tornar o início do secundário. Neste último caso, parece desenvolver-se um ambiente mais favorável ao desenvolvimento das aprendizagens dos alunos que lhes facilitam a conclusão de um percurso de escolaridade obrigatória que seja mais coeso e faça mais sentido face aos projetos pessoais de cada aluno.
Sendo verdade que a mudança, qualquer que ela seja, depende muito mais da forma como as pessoas desejam e se apropriam dessa mudança do que tudo o que lhe possa ser exterior, também é verdade que as políticas potenciam ou condicionam essa mudança. As questões de forma serão certamente mais fáceis de equacionar e resolver, porque são mais claras as transformações necessárias. Por exemplo, relativamente à gestão de recursos face aos grupos de recrutamento existentes no atual 1º e 2º ciclos, um cenário possível seria o sistema evoluir para um único grupo de docência, no ensino primário (primary education), após um período de transição que teria de ser organizado e preparado com apoios específicos ao nível da formação dos professores. Uma outra possibilidade passaria pela criação de equipas pedagógicas, com um número reduzido de professores, que pudessem acompanhar os alunos durante todo o percurso escolar dos 6 aos 12 anos, independentemente do grupo de recrutamento a que estão afetos, ou seja, o regime de monodocência evoluiria para um regime de pluridocência que assegurasse uma gestão curricular articulada, transversal e assente no trabalho colaborativo.
A este propósito importa referir que muitos docentes que estão atualmente no sistema educativo, e independentemente de estarem a lecionar no 1º ou no 2º ciclo, têm qualificação profissional para ambos, do mesmo modo que alguns docentes do 2º ciclo têm habilitação para o 3º ciclo e secundário, ou seja, é importante apostar em processos de gestão que favoreçam condições para que as escolas, num quadro de autonomia efetiva, possam gerir e rendibilizar os recursos disponíveis numa lógica de continuidade pedagógica do trabalho com os alunos. Simultaneamente, os modelos de formação inicial e contínua dos professores devem ser repensados perante os desafios decorrentes da política educativa vigente.
Desafios…
Como é possível responder a estes desafios?
- Resolver o enclave do 2º ciclo implica alterar a LBSE e reestruturar o sistema educativo, conferindo-lhe mais consistência e coerência face às políticas educativas vigentes, em termos de currículo, pedagogia e avaliação.
- Redefinir e redimensionar os grupos de recrutamento existentes, assegurando as condições de transição inerentes à reestruturação do ensino básico, nomeadamente através de processos de formação contextualizada.
- Reestruturar modelos de formação inicial e contínua que permitam melhorar práticas curriculares, pedagógicas e avaliativas necessárias para o desenvolvimento de contextos educativos dinâmicos, articulados, sequenciais e facilitadores da qualidade dos processos de ensino e aprendizagem, ao longo da escolaridade obrigatória.
- Reconfigurar o regime de monodocência e de pluridocência existentes, adaptando-os a um período de escolarização mais prolongado (dos 6 aos 12 anos), nomeadamente, através de equipas multidisciplinares mais reduzidas e constituídas por docentes de áreas temáticas (exemplo: artes, línguas e humanidade, ciências e tecnologia, saúde e desporto).
- Reforçar a autonomia da escola na implementação das políticas educativas, em particular ao nível da gestão de recursos humanos e da reorganização pedagógica, que possibilitem o desenvolvimento de uma ética do cuidado, do bem-estar e da melhoria da relação pedagógica.
- Reorganizar espaços escolares e repensar a tipologia dos edifícios.