Urgência Pedagógica e Didática I

Sobre as “planificações” que se vêm por aí!

Por Carlos Gomes

As planificações sobre a organização e gestão do ensino aprendizagem nas disciplinas de Educação Visual, Educação Tecnológica e Artes Visuais não podem ser realizadas a partir das Metas Curriculares, (conteúdos), misturadas com Aprendizagens Essenciais, (competências) e com descritores do Perfil dos Alunos metidos à força, mais ou menos ao lado, só para que constem. Para baralhar ainda mais, divide-se pelos três períodos letivos os três Domínios Organizadores, (apropriação, interpretação, experimentação), ignorando-se por completo que o papel organizador destes domínios correspondem às etapas do trabalho investigativo, (pesquisa, experimentação e reflexão) aplicado em cada assunto tratado no processo de ensino aprendizagem.

Criar a confusão querendo misturar água com azeite, é subverter conscientemente o paradigma das Aprendizagens Essenciais e do Perfil dos Alunos e a sua centralidade no aluno e no processo de ensino.

As escolas podem optar por uma das orientações curriculares, Metas Curriculares ou Aprendizagens Essenciais, não devem é misturar modelos completamente antagónicos que ambas preconizam. Trabalhar por conteúdos sequenciais, independentemente do contexto educativo, é trabalhar num modelo aquisitivo e normativo oposto a um modelo de aprendizagem e flexibilidade adequada aos contextos e realidades vividas em cada situação de ensino, através da abordagem disciplinar pelo trabalho investigativo.

Pululam pelas escolas planificações decalcadas das divulgadas pelas editoras com propostas de “planificações sopa de pedra” em que vale tudo apenas com o objetivo de formalizar a atividade docente preenchendo papeis e salvar os manuais que estão estruturados a partir de conteúdos, (metas curriculares) e logo, em contraciclo com a mudança e o paradigma da flexibilidade e do trabalho com projetos. (Os manuais escolares enquanto recurso  informativo terão que conter conteúdos, como é óbvio. Contudo a sua consulta deve ser parcelar e não utilizado de forma sequencial, funcionando como planificador do ensino.)

Estes pressupostos pedagógicos têm ainda maior relevância e pertinência na área artística dado o caráter específico e o suposto ênfase dada à individualidade, (aluno) e ao processo criativo que não se compadece com situações de ensino estandardizadas centrado em metas, (na matéria) e nos produtos resultantes do ensino.

Quem opta por um desenvolvimento curricular centrado num determinado modelo, deverá assumir a sua opção perante a comunidade educativa e não usar os documentos, baralhando e ficando tudo na mesma. Isto tanto se refere a professores como às direções dos agrupamentos.

Como foi referido, na área artística e tecnológica, ao longo dos três ciclos de estudo da escolaridade obrigatória as Aprendizagens Essenciais apresentam-se em Domínios Organizadores, interdependentes que, induzem a uma metodologia de trabalho investigativo, (pesquisa, experimentação e reflexão) no desenrolar de cada assunto, unidade de trabalho ou projeto.

 

Apropriação e Reflexão – Pretende-se que os alunos aprendam os saberes da comunicação visual e compreendam os sistemas simbólicos das diferentes linguagens artísticas, identificando e analisando, com um vocabulário específico e adequado, conceitos, contextos e técnicas em diferentes narrativas visuais …

Interpretação e Comunicação – Pretende-se, de uma forma sistemática, organizada e globalizante, desenvolver as capacidades de apreensão e de interpretação, no contacto com os diferentes universos visuais – sendo desejável que não se restrinja a arte à tradição ocidental e a determinados períodos históricos – estimulando múltiplas leituras das diferentes circunstâncias culturais…

Experimentação e Criação – Conjugam-se a experiência pessoal, a reflexão, os conhecimentos adquiridos, na experimentação plástica de conceitos e de temáticas, procurando a criação de um sistema próprio de trabalho …

 

Significa que para uma mesma situação, assunto, fenómeno, tema, etc. se desenvolvem em interdependência os três domínios.

Os domínios organizadores apresentados nas Aprendizagens Essenciais consubstanciam-se, entre outros, na Proposta triangular de Ana Mãe Barbosa* referente à metodologia de observação da obra de arte.

 

Contextualizar – Contextualização histórica; conhecer a sua contextualização histórica da obra (imagens). Consiste em relacionar a obra com a história da arte e outras áreas conhecimentos.

Fruição/descodificação – Leitura da obra de arte; apreciação imagens artística e crítica: consiste em descortinar a análise da obra, estimular a capacidade de pensar sobre a arte, não que é certo ou errado, apenas leitura do objeto para interpretação da obra e não o artista.

Experimentação – fazer arte; fazer artístico; trabalho prático artístico:  consiste na estimulação a criação. Aqui baseia-se na criação da arte, não como uma cópia, mas sim trabalhando a releitura da obra, a qual foi interpretado, transformando em algo novo.

Ora, nas disciplinas de Educação Visual, Educação Tecnológica e Artes Visuais a planificação pressupõe uma abordagem por temas / situações / fenómenos / assuntos, com o propósito de flexibilizar os saberes científicos solicitados pelas unidades de trabalho / projetos nas diferentes áreas e domínios de aprendizagem.

Primeiramente é necessário saber definir o enunciado que vai despoletar todo o processo de aprendizagem. Cada situação deverá ser construída coletivamente. Não existe uma receita pronta, mas, alguns caminhos para abordagem. Por isso, as Planificações nesta área definem pontos de partida, não podendo, como alguns pretendem, estruturar e pré-determinar todo o processo.

Os domínios organizadores de aprendizagem indicam a abordagem, as aprendizagens essenciais são definidas à medida das ações estratégicas no desenrolar do processo sempre que suscitadas. Descrevem-se condicionalismos e potencialidades de recursos, assim como momentos e instrumentos de avaliação continua.

Ao contrário de uma dimensão curricular baseada na prescrição de matérias e da ordem do ensino, os programas das disciplinas da Área Artística e Tecnológicas fixam-se deliberadamente a um nível de grande abertura e flexibilidade. Esta opção obriga a uma maior responsabilização dos professores na adequação, gestão e organização programática visando o alargamento progressivo e integrado das aprendizagens dos alunos nos diferentes ciclos do ensino básico.

A aplicação da linguagem plástica requer adequações de conceitos, meios e técnicas de aprendizagem nos diferentes níveis de ensino que suscitam o desenvolvimento de processos:

  • mais analíticos e sequenciais, (uma necessidade percepcionada no mundo envolvente que é analisada, definida, investigada, realizada e avaliada – resolução de problemas, e/ou
  • mais intuitivos e simultâneos, (um acontecimento provoca um sentimento ou uma sensação; sua definição processa-se pela ação sobre o material; nesta interação estabelece-se o equilíbrio entre o «eu» e o mundo envolvente – fruição-contemplação, produção-criação, reflexão-interpretação:

Os processos de ensino assumem uma grande importância didática porque a sua estrutura condiciona a relação dos alunos com a tarefa, dos alunos entre si e do modelo de comunicação professor /aluno.

Decorre desta realidade a necessidade de contrariar rotinas que prolongam práticas profissionais que se traduzem na aquisição de uma linguagem plástica, por parte dos alunos, unicamente centrada na exploração dos elementos visuais.

Porque se tem medo de trabalhar em projeto?

Porque é um MODELO centrado nos alunos, faz mudanças na avaliação, altera o papel do professor, passa a dar mais importância ao pensamento crítico, à criatividade, à comunicação e colaboração, ou seja, às habilidades sociais. A abordagem está focada em projetos, combina-se num CURRÍCULO centrado no aluno com o programa nacional, e tudo se interliga.

“Todos os PROJETOS começam com perguntas e questões feitas em conjunto, alunos e professores, para estimular a imaginação e discussão. Por exemplo, – Como podemos usar o nosso dinheiro?

É feito um mapa numa parede com várias perguntas. O que aprender? O que fazer? Como fazer? Quando? Quem?

As ATIVIDADES são distribuídas e os alunos têm a palavra para dizer se concordam ou não quanto ao que farão no projeto.

Se a ideia é, por exemplo, criar um mercado para falar de dinheiro, é preciso fazer etiquetas com preços, cartazes, decorar o espaço, organizar o local, dispor os produtos, pensar e criar publicidade. É então feito um calendário para ORGANIZAR o trabalho e o projeto é executado.

Todos os meses há uma assembleia para discutir desafios e ESTRATÉGIAS para a implementação de projetos.

Os projetos duram, regra geral, um mês, mas podem ser mais curtos ou mais longos.

A apresentação do projeto é uma celebração da aprendizagem. Os alunos fazem apresentações, teatro, vídeos, eventos. Depois é hora de AVALIAR, o que os alunos mais gostaram, o que menos gostaram, o que poderia ter sido diferente, o que se mudaria. É tempo de partilha no bloco de notas do OneNote, que está acessível a todos os alunos… ” in Relatório da UNESCO sobre o Colégio Monte Flor, Portugal adaptação art. educare.pt

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* Ana Mãe Tavares Bastos Barbosa (Rio de Janeiro, em 17 de julho de 1936)  educadora brasileira, pioneira em arte-educação. Em 1987 desenvolveu, com apoio em sua Proposta Triangular ou Abordagem Triangular[1] (também chamada erroneamente de Metodologia Triangular), o primeiro programa educativo do gênero, à frente do MAC-USP.[2] A Abordagem possui influência das Escuelas Al Aire Libre mexicanas, do Critical Studies inglês e do Discipline-Based Arts Education (DBAE) americano. Hoje ainda é a base da maioria dos programas em arte-educação no Brasil, principalmente depois de ter sido referência nos Parâmetros curriculares nacionais de Arte[3] dos Ensinos Fundamental e Médio brasileiros. Referências – Barbosa, Ana Mãe. A Imagem no Ensino da Arte; Barbosa, Ana Mãe. Tópicos Utópicos

APEVT 2019